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Crítica: “A Assistente” traz uma ótica importante para o assédio no trabalho

quarta-feira, 17 de junho de 2020 | 14:52 WIB Last Updated 2020-06-17T21:52:29Z
Julia Garner tem apenas 26 anos, mas já se encontra no caminho perfeito para cair nas graças de Hollywood. A garota já possui um Emmy - de "Melhor Atriz Coadjuvante" pela série "Ozark" (2017-) - começou a carreira liderando dramas indies - como "Everything Beautiful Is Far Away" (2017) e o delicioso "A Fita Azul" (2012), além da ponta no clássico adolescente "As Vantagens de Ser Invisível" (2012). Ela agora retorna em mais um protagonismo que mostra todo o seu talento.

Ela é Jane em "A Assistente" (The Assistant"), estreia da diretora, roteirista e produtora Kitty Green no cinema de ficção. A australiana é conhecida pelos seus documentários, e o estilo jamais foge da tela do seu novo longa. Jane é a assistente do título, trabalhando em uma produtora de filmes. Ela é a primeira a chegar - quando o sol ainda nem apareceu - e a última a sair. Com sua mesa exatamente ao lado do escritório principal, ela é incumbida de fazer absolutamente tudo o que aparecer por lá.

A película segue exatamente um dia na vida de Jane. De tirar xérox de documentos a pegar comida e lavar a louça, Jane faz o que ninguém mais quer fazer. Em um local majoritariamente ocupado por homens, ela pode até ser chamada de "empregada" do lugar pelo leque sem coesão de atividades. O que mandarem, ela faz.


Enquanto limpava o escritório do chefe - um personagem que em momento nenhum aparece na tela -, ela encontra um brinco, e fica claro para o espectador que o ocorrido não é surpresa para a protagonista. Ela sabe que o chefe leva mulheres até lá para encontros sexuais, e sobra para Jane ter que lidar com a esposa do patrão, afinal, ninguém mais quer segurar esse abacaxi. A obra encontra muito sucesso ao ser capaz de falar apenas com imagens, com gestos e olhares de seus personagens.

Os encontros privados do chefe são de conhecimento geral. Até mesmo piadas são feitas sobre isso, como no momento em que um personagem se senta no sofá da sala presidencial e alguém fala, com gracejo, "Não sente jamais nesse sofá". Todos ao redor caem na gargalhada, menos Jane. Mesmo estando lá por apenas cinco semanas, ela já está ciente da conivência de todos com o que se passa por trás daquelas portas.

Apesar de que, sim, isso seria um embaraço, de início não fica muito explícito o motivo pelo qual Jane se demonstra tão desconcertada pelas traições do chefe. A resposta não demora: uma jovem (e bela) garçonete chega do interior para trabalhar como secretária no piso principal. Como alguém tão nova e sem a menor experiência já foi escalada para um trabalho tão importante? Na ida até o hotel - reservado pelo chefe para a garota -, ela revela a Jane que conheceu o patrão no restaurante que trabalhava, e aí estava a chave para todo o mistério. Ela foi contratada para ser aliciada, e parecia não ter a menor noção do que aconteceria.

O chefe não estava meramente pulando a cerca, ele usava seu status para conseguir sexo de jovens e vulneráveis mulheres que aspiravam subir na carreira. E Jane, que não queria perder o emprego, era conivente de maneira obrigada. Ela abaixava a cabeça para não ser demitida, mesmo com os telefonemas agressivos do patrão - que resultavam em humilhantes pedidos de desculpas da assistente.


Querendo por um fim na situação, Jane vai até o Recursos Humanos da empresa. Ela, completamente envergonhada, mal consegue formular frases com sentido, todavia, a mensagem é bem clara para o gestor. A opressão de todo o sistema grita ainda mais quando o gestor passa a impressão de que já sabia de tudo e que fará nada para ajudar, ameaçando o emprego de Jane. Ela vai embora da sala sem prestar a queixa, só para ser mais uma vez repreendida aos berros pelo patrão, que foi informado pelo RH.

A câmera da fita quase nunca deixa o rosto de Jane, e Julia Garner acrescenta mais uma performance incrível em seu currículo. O roteiro de Green auxilia e muito na sensação de que a protagonista é engolida pelo trabalho, seja nas cenas em que ela abdica de sua vida pessoal ou nas sequências em que vemos outras pessoas passando ao lado de Jane sem nem ao menos notá-la. Ali, ela era invisível, e deveria ser. O gestor de RH até solta: ela não deveria se preocupar porque não fazia o tipo do patrão. Grande alívio.

Possuindo apenas 85 minutos, uma obra relativamente curta, o ritmo do filme deveria ser mais dinâmico, porém, Green derrama seu estilo anterior e filma aquele dia de Jane de forma documental, indo nos mais irrisórios momentos da sua jornada. É quase hercúleo fugir da morosidade da narrativa em alguns momentos, que acaba caindo na chatice e na impressão de que o filme poderia ser muito mais, não nego, no entanto, tudo é trabalhado para que sintamos da maneira mais cristalina o que Jane sente convivendo com aquelas pessoas e aqueles desafios.

As engrenagens que fazem "A Assistente" andar são bem claras: o longa é mais um reforço da arte na solidificação da importância do movimento "Me Too", que denuncia o assédio na indústria do entretenimento - outro exemplo é o vencedor do Oscar "O Escândalo" (2019). Vemos por meio de Jane, carregada por uma atuação sensacional de Julia Garner, como já existe uma roda bastante delimitava e preparada para silenciar toda e qualquer mulher envolvida nas artimanhas que evocam os comportamentos predatórios dos homens em posição de poder. Mesmo não conseguindo parar essa roda, a protagonista é a ponta de um iceberg de sororidade que precisa vir à superfície assim como as portas que escondem assédios precisam ser abertas. Mas o que esperar de uma empresa que não contrata sequer uma pessoa preta?


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