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Judiciário paga quase R$ 7 bilhões de remunerações acima do teto salarial em 2024

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025 | 03:22 WIB Last Updated 2025-02-17T11:22:41Z
Via @jornaloglobo | O Judiciário pagou quase R$ 7 bilhões em remunerações acima do teto estabelecido pela Constituição durante o ano de 2024, aponta levantamento do GLOBO com base em dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O órgão disse, em nota, que “muitos dos pagamentos citados são passivos relativos a decisões judiciais que deram ganho de causa a esses profissionais para o pagamento desses valores”.

Na primeira reportagem de uma série sobre ineficiência dos gastos públicos em suas três esferas (Judiciário, Legislativo e Executivo), que o GLOBO publica a partir de hoje, os dados apontam que as despesas com os chamados “penduricalhos” nos vencimentos atingem todas as esferas da Justiça. E, em alguns tribunais, superam um rendimento extra de R$ 500 mil por magistrado no ano — recurso esse em que, em alguns casos, não incide Imposto de Renda.

Na média de todos os tribunais do país, nas esferas estadual e federal, o pagamento acima do teto para magistrado foi de R$ 270 mil no ano passado.

A discussão sobre remunerações de servidores acima do teto está entre as principais pautas no debate sobre corte de gastos. Em reuniões com os presidentes da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou uma série de projetos considerados prioritários para a equipe econômica para este ano.

Entre eles, está a aprovação do projeto de lei atualmente no Senado que busca regulamentar o pagamento a servidores, incluindo as verbas indenizatórias.

Teto constitucional

A remuneração de todos os servidores públicos no Brasil obedece a um teto, que equivale ao salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Em 2024, o teto constitucional era de R$ 44 mil. Segundo a legislação atual, nenhum servidor pode receber acima desse limite. Neste ano, o teto passou para R$ 46,3 mil.

Entretanto, tornou-se prática comum o pagamento de verbas de caráter indenizatório, chamadas de “penduricalhos”. A rubrica contempla uma série de benefícios e auxílios concedidos a servidores que, ao serem classificados nesta categoria, não estão sujeitos ao teto remuneratório.

Os dados do CNJ apontam que, nas esferas federal e estadual, o Judiciário gastou R$ 4,9 bilhões com direitos eventuais como “pagamentos retroativos” e “licença compensatória”. Além disso, foi gasto R$ 1,8 bilhão com indenizações. No total, R$ 6,7 bilhões.

Dessa conta, foram retiradas algumas rubricas mais comuns a demais servidores ou a iniciativa privada, como auxílio-moradia, auxílio-alimentação, auxílio-saúde e gratificação natalina. Quando considerados todos valores de indenizações e “direitos eventuais”, o valor chegaria a R$ 12 bilhões.

Para Luciana Zaffalon, advogada e diretora executiva do Justa, centro de pesquisa que atua no campo da economia política da justiça, os valores pagos acima do teto atingem praticamente todos os órgãos do sistema de Justiça, incluindo os Ministérios Públicos.

— O pacto que o Judiciário está fazendo para introduzir a linguagem simples para se aproximar da sociedade poderia valer também para suas questões orçamentárias. Se tem uma coisa que a gente não consegue fazer é monitorar e entender como tanto recurso flui para as carreiras jurídicas. Cada tribunal pratica determinada linguagem para diferentes benefícios que são definidos e aplicados pelos próprios beneficiários — afirma.

Um dos dados levantados pelo Justa aponta que em muitos estados os gastos com o sistema de justiça cresceram proporcionalmente muito mais do que o orçamento.

'Licença compensatória'

Para justificar os pagamentos, os tribunais geralmente se baseiam em decisões administrativas próprias ou do Conselho Nacional de Justiça. Nos últimos anos, um desses mecanismos que gerou críticas, por exemplo, foi a chamada licença compensatória, valor pago em dinheiro por folgas não usufruídas pelos magistrados.

A licença transforma a gratificação por exercício cumulativo em um dia de folga para cada três trabalhados, que pode ser convertido em pagamento. Ou seja, o membro do Judiciário é indenizado por não usufruir da folga e o valor assume natureza indenizatória, fora do teto constitucional. Um levantamento feito pela ONG Transparência Brasil apontou que, em 16 meses, os pagamentos dessa rubrica por si só, responderam por R$ 816 milhões.

Sobre a “indenização de licença compensatória”, o CNJ informou que ela está prevista em uma resolução é uma compensação pelo exercício cumulativo de atribuições. “O valor corresponde a um terço do subsídio do magistrado designado à substituição para cada 30 dias de exercício de designação cumulativa e será pago por tempo proporcional de serviço.

A acumulação ocorre no exercício da jurisdição em mais de um órgão jurisdicional, como nos casos de atuação simultânea em varas distintas, e por acervo processual, com o total de ações distribuídas e vinculadas ao magistrado”, diz o texto.

De acordo com o levantamento, o tribunal em que os pagamentos extra-teto mais ocorreram, proporcionalmente, foram o Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais (TJM-MG), com 29 magistrados e R$ 24 milhões pagos acima do teto, ou seja, R$ 835 mil por magistrado. Além disso, a reportagem também identificou que em alguns meses de 2024 diversos magistrados receberam até R$ 100 mil por mês em “Pagamentos Retroativos”.

Procurado, o TJMMG afirmou que todos os pagamentos obedecem rigorosamente à legislação vigente e às determinações do CNJ. O tribunal disse ainda que todos os pagamentos realizados respeitam estritamente a disponibilidade financeira e orçamentária aprovada no Orçamento de 2024, sem ultrapassar os limites legais de despesas com pessoal.

“Diante disso, o TJMMG informa que os vencimentos recebidos pelos magistrados não ultrapassam o teto constitucional. A remuneração que parece ultrapassar este limite refere-se a pagamentos indenizatórios que incluem, entre outros, diferenças retroativas, indenizações de férias-prêmio e de férias anuais, além de compensações por saldo de dias de crédito. Não representam, portanto, a remuneração regular mensal dos magistrados”, afirmou o tribunal.

No mesmo estado, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais responde sozinho pelo pagamento de R$ 953 milhões considerando apenas as folhas de pagamento em que o rendimento bruto superou o teto constitucional.

Procurado, o Tribunal respondeu que os valores recebidos pelos magistrados estão amparados na legislação vigente e que guardam proporcionalidade com os subsídios pagos aos ministros do Supremo Tribunal Federal.

“Alguns juízes, desembargadoras e desembargadores recebem, eventualmente, valores adicionais referentes a férias, férias-prêmio não gozadas ao longo da carreira e acumuladas, além de valores devidos pelo exercício de suas atividades (plantões, acúmulo de jurisdição... como exemplos). Trata-se de passivo reconhecido, que é pago conforme a disponibilidade financeira do Tribunal”, afirmou a Corte.

O GLOBO procurou ainda o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, o Tribunal de Justiça do Paraná e o Tribunal Superior do Trabalho, mas não obteve resposta.

Distorções dentro da máquina pública

Para o economista Nelson Marconi, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), além do impacto fiscal causado pelo pagamento de valores acima do teto, os penduricalhos também reforçam a injustiça dentro da máquina pública. Um relatório do Tesouro Nacional publicado no início de 2024 deixou isso claro: no Brasil, 1,6% do Produto Interno Bruto é gasto com tribunais. Em comparação, a média dos países emergentes é de 0,5% e nas economias avançadas é de 0,3%.

Marconi foi diretor de Carreiras e Remuneração do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado durante o governo Fernando Henrique. A pasta foi responsável por formular e implementar a última reforma administrativa de grande porte no Brasil, em 1998.

— Naquele momento, a discussão já era essa e foi definido que dentro do teto estariam incluídas as vantagens remuneratórias, já estava muito claro. Mas eles sempre fazem uma interpretação de que esse tipo de despesa não está considerado nessa definição que está da lei, definem que está fora do teto. O teto em si não é um absurdo, mas sim essas vantagens indenizatórias, que transformam esse valor — afirma.

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De acordo com Marconi, embora o fim do pagamento de penduricalhos, por si só, não resolveria o problema fiscal do Brasil, ele é um dos motivos que engessam o Orçamento público em relação à capacidade de investimentos no país.

— Se você olhar do ponto de vista do gasto, não é uma conta absurda, mas é muito injusta. Considerando a realidade brasileira, não se justifica — diz.

Por Dimitrius Dantas — Brasília
Fonte: https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2025/02/17/judiciario-paga-quase-r-7-bi-de-remuneracoes-acima-do-teto-salarial-em-2024.ghtml

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